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Devaneios: Expresso
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Devaneios: Expresso
Talise Schneider[1]
No café o gosto amargo das manhãs. A manhã pede recomeços e decisões que nos tiram o sono. Daqui de dentro do café observo as pessoas que passam. Perpassam. Um senhor me chama a atenção. Talvez ele queira sentir este gosto amargo. Peço para ele um café pingado. Adoço. Pão na chapa. Manteiga para descer melhor esta vida que deve ser intragável. O convido para se sentar ao meu lado. Ele hesita em entrar. A atendente me olha e diz que ele não gosta de entrar ali. Convido novamente, ele entra e se senta ao meu lado. Deve ter uns sessenta anos. Deve ter uma vida inteira de histórias, mas, nada diz. Não me olha nos olhos, não me olha. No corpo propagandas, um outdoor do mundo em pedaços de pano. Não patrocinam o corpo mas, o protegem do tempo. Aquecem a alma. Observo a mão, cicatrizes não tratadas, feridas da alma na carne aparente. Barba branca do tempo. Come rápido, fome ou pressa? Olha o movimento na calçada, distração ou medo? Termina o seu café. Falo com ele, não me responde. O toco no braço, ele se vira. Pergunto se deseja mais, ele faz dois com os dedos e sorri. Pão de queijo quente, acaba de sair. Ele come aos pedaços para não se queimar. Para não queimar as mãos e a boca. Boca que nada diz mas, que sorriu pra mim por um instante. Desjejuar-se e engolir. Peço outro café pra mim. Expresso. Amargo. Me expresso. O amargo do meu café parece doce agora. O amargo da vida dele não consigo mensurar. Tenho a escolha do açúcar. E ele? Que escolha tem?