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Conheça Andrê, estudante da Unespar, finalista no campeonato brasileiro de Slam

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por Marina Santos Daum publicado: 07/12/2022 15h21 última modificação: 07/12/2022 15h57

Slam são batalhas de poesia falada em que cada participante constrói seus textos originais e autorais, conforme suas vivencias e inspirações. A modalidade surgiu nos Estados Unidos e traz questões da atualidade para debate, em formato de batalha de rimas, com competições que geralmente acontecem nas ruas. A cena brasileira, atualmente, conta com um campeonato brasileiro de Slam, que iniciou nesta semana, no dia 6 de dezembro e encerra no dia 9, com a premiação dos/das melhores colocados/as.

A Universidade Estadual do Paraná (Unespar) está presente nesse campeonato, com a participação de uma estudante do 4º ano de Bacharelado em Artes Cênicas, do campus Curitiba II/FAP, Andrê Francisconi, uma mulher travesti de 23 anos. Tivemos um bate-papo com ela para conhecer sua história e trajetória dentro dessa modalidade de poesias marginal:

 

Andrê, nos conte um pouco da tua trajetória. Como surgiu o teu interesse pelo teatro?

R: O interesse pelo teatro é uma coisa um pouco mais nebulosa para mim, porque quando era criança de fato gostava das atividades da escola que envolviam peças de teatro, apresentações de datas festivas em que convidavam os pais, mas mesmo gostando, eu era uma criança muito tímida então sempre tive uma relação muito contraditória com estar no palco. Eu não queria ser vista, tinha vergonha de estar lá em cima, mas ao mesmo tempo tinha alguma curiosidade.

Eu não comecei direto no teatro, e sim na música, com 6 anos em um curso de teclado no CCBC, que é o Centro Comunitário da Vila C, lá em Foz do Iguaçu, e aí fiquei um bom tempo na música, dos 6 aos 12 anos. Depois passei por banda de igreja e durante o ensino médio, no Instituto Federal do Paraná (IFPR), eu fazia parte de um projeto de extensão de música também tocando teclado. Essa foi a primeira experiência que eu tive com palco, apresentação e afins.

Eu sempre tinha um olhar de curiosidade para o teatro. Eu sentia que mesmo que eu estivesse ali envolvida com essa galera da música e demais artistas que cruzaram pelo meu caminho, o teatro era uma coisa que latejava mais forte, entretanto, era difícil de ter acesso, porque os cursos eram caros. Até que um dia, em 2016, eu consegui achar essa possibilidade de fazer cursos de formação gratuita de teatro, na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), ainda em Foz do Iguaçu. Foi uma aposta, eu fui para lá apostando, eu não entendi nada de teatro além do que eu assistia na internet, então eu descobri que curtia e que gostava mesmo, fazendo.

 

Então, há quanto tempo você é atriz?

R: Eu acho essa pergunta bem interessante, por várias questões. É muito difícil entender quando a gente começou ou se tornou alguma coisa. Eu acho que eu responderia essa pergunta de duas formas: Como uma pessoa travesti, fazem dois anos que eu comecei a dizer que eu era atriz. Antes disso eu era ator, depois performer, ATROZ (brincadeira com a palavra, utilizando termos neutros). A palavra atriz chegou bem recentemente na minha vida, junto com o processo de início da minha transição. Mas eu comecei a ter contato com o teatro mesmo, quando ingressei na Unila. Do momento que entrei lá até aqui, faz 6 anos que estou estudando e fazendo teatro de forma ativa e direta. Antes disso eu era uma entusiasta e espectadora.

Ainda em Foz do Iguaçu, participei por dois anos (2017 e 2018) de um coletivo de transformistas que produzia espetáculos drag e espetáculos transformistas para locais que estivessem abertos a receber a apresentação.

 

E como a Unespar cruzou o teu caminho?

R: Foi em 2019, quando me mudei para Curitiba porque passei no Vestibular para cursar o Bacharelado em Artes Cênicas no campus Curitiba II/FAP. Simultaneamente, fiz o teste e passei na seleção da Companhia de Teatro da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Este edital abre todos os anos, então todo os anos preciso refazer o teste.

 

Vamos falar um pouco sobre o Slam. Como surgiu o teu interesse por essa modalidade de poesia?

R: Meu primeiro contato com o Slam foi durante o Ensino Médio, quando comecei a me envolver com questões de gênero e sexualidade. Fui buscar sobre os movimentos que falam sobre isso e pessoas que vivem e escrevem sobre isso. Nessa pesquisa, me deparei com alguns vídeos de poesia marginal e segui acompanhando essa galera: Estrela Dalva, Bixarte e outras, mas sempre como espectadora e pela internet. Também foi durante a adolescência que comecei a escrever.

Quando eu cheguei em Curitiba, consegui ter mais contato ainda, já que aqui rolavam as batalhas. Durante a pandemia foi um momento em que não sabia o que fazer, aí me coloquei a escrever muitos textos durante o meu processo de isolamento. Me calhou de experimentar a possibilidade de declamar um desses textos em alguma batalha de Slam. Pela primeira vez, como participante ativa e como era online, pensei “é uma possibilidade de experimentar sem muito medo”.

Então esse é o segundo ano que estou participando das batalhas e o primeiro que chego no nacional.

 

O que chama a tua atenção nessa modalidade?

R: Foi durante a pandemia que descobri que realmente gostava do Slam, porque ele deu conta das minhas questões, o que o teatro nem sempre dá. O teatro, na forma com que ele foi construído, constantemente me pergunta se o meu corpo pode atuar um outro corpo, as dramaturgias escritas ou as formas mais convencionais, né?! O que chama minha atenção no Slam é que as poesias reclamadas precisam ser autorais, e também, essa relação com a rua, com a poesia marginal que me fez entender que a minha poética e as minha vivência são possíveis.

Puxa, é um movimento de poesia marginal que acolhe o corpo dissidente, o corpo pobre, o corpo travesti e demasiados corpos aí que estão vivendo a marginalidade em alguma instância, por meio da sonoridade, do texto, da métrica, da rima, com o que a gente acha bapho de fazer. Eu acho que são duas coisas que para mim mais me desperta o interesse em continuar fazendo isso.

 

Como a tua graduação na Unespar e as experiências com o teatro, contribuem com a performance no Slam?

R: Nossa, essa é a questão problema, inclusive, do meu trabalho de conclusão de curso da graduação. O fato do Slam acontecer na rua, já me prepara enquanto corpo e voz, para existir, criar dinâmicas para ser ouvida, criar dinâmicas para se proteger e se fortalecer. Não é à toa que a gente chama de batalha.

Tanto o teatro, quanto o Slam, fazem parte da minha construção artística, mas indo para além da ideia de que a graduação em Artes Cênicas e o teatro me preparam para uma melhor performance no Slam, acho que é uma troca, uma via de mão dupla, são coisas complementares. Um me prepara para o outro, mas nenhum é o treinamento para o outro. O teatro não é treinamento para o meu corpo no Slam e o Slam não é treinamento para o meu corpo no teatro, porque para mim as duas coisas caminham juntas.

A experiência que eu tenho dentro da graduação na Unespar foi de poder entender, por exemplo, quais são as referências acadêmicas que acompanham a pesquisa do Slam. Conseguir articular o que é da rua, dentro da academia, é um exercício supercomplexo, mas ainda assim, é uma possibilidade de tornar o espaço da Universidade um espaço público, comunitário mesmo.

 

Andrê, já falamos da tua história e como você chegou até o Slam. Agora conta um pouquinho sobre como você se preparou para essa competição, já que faz apenas dois anos que você é slammer.

R: Ah, eu me preparei na rua, nas batalhas, acredito eu pelo menos. Passava textos em casa, passava textos em outros espaços, mas a maior parte do tempo era sobre brincar com esse texto, testar as possibilidades dele durante uma batalha, durante uma roda de Slam, porque ali você tem a troca.  Às vezes era só passar o seu texto para alguns amigos, entender como reverberava nessas pessoas, entender o porquê era importante para mim, falar isso para outras pessoas. Mas o preparo era esse, era troca.

 

E como está a tua expectativa para a fase nacional que acontece hoje (7)?

R: Bom, eu já estava super feliz em participar da fase Estadual, esse era o meu objetivo, então qualquer possibilidade de Nacional obviamente seria muito bacana. Ano passado eu também cheguei na fase Estadual, mas fiquei em 3º lugar. Nesse ano gostaria de chegar na mesma fase, porém sempre buscando melhorar.

 

E como podemos acompanhar você na fase nacional?

R: A etapa nacional já está acontecendo e quem tiver interesse pode acompanhar os resultados pelo Instagram @slam_br ou pelo canal do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, no Youtube, a partir das 18h.

 

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